Por: Renato Rodrigues
Fiquei feliz em ter minha coluna de estreia no Portal do Agronegócio justamente em setembro, um mês repleto de marcos para quem pensa o agro e o meio ambiente. Começamos com o Dia do Biólogo (03/09) — a minha profissão. Logo depois, o Dia da Amazônia (05), a Independência (07), o Dia do Cerrado (11), o Dia Mundial do Agrônomo (13), o Dia da Árvore (21), a chegada da Primavera (23) e, de forma bem concreta, o início da safra em várias regiões do país.
Não considero isso coincidência: é um convite a refletirmos sobre o caminho percorrido até aqui e, principalmente, sobre o futuro que queremos para o nosso agro.
Escrevo com a convicção de que o Brasil pode — e deve — ser mais do que uma potência agrícola. Deve se consolidar como a maior potência agroambiental do planeta.
Gosto muito de prosear (quem me conhece sabe disso) e tenho o privilégio de dialogar com grandes nomes do setor. Não consigo citar todos, mas destaco alguns que marcam minha trajetória: meu amigo e mentor Maurício Lopes, ex-presidente da Embrapa, que me ensinou a sempre unir ciência, inovação e compromisso socioambiental; José Luiz Tejon, meu colega de coluna, cuja voz estratégica do agroconsciente é inspiração; Julia Sekula, parceira na Terradot, com quem divido o desafio de transformar o agro e o clima com pó de rocha; Marcello Brito, amigo e colega na Fundação Dom Cabral, com sua incansável luta para consolidar nossa missão agroambiental; e também referências internacionais, como Michael Horsch, criador da Horsch, que costuma repetir uma frase que não me sai da cabeça: “o mundo precisa saber o que o agricultor brasileiro está fazendo!”
Esses interlocutores reforçam algo que repito há tempos: nosso orgulho nacional com o agro precisa se transformar em compromisso. Não podemos seguir dependentes de um modelo baseado em insumos caros, importados, controlados por multinacionais, nem de um consumo recorde de agrotóxicos. Essa realidade não pode ser encarada como dado inevitável; precisa ser enfrentada por produtores, pesquisadores, formuladores de políticas públicas e pela sociedade.
A boa notícia é que a ciência brasileira já mostrou caminhos concretos. Podemos chamar de agricultura regenerativa ou sustentável, pouco importa a semântica: trata-se de um conjunto de práticas que reduzem custos, aumentam produtividade e resiliência e regeneram áreas degradadas.
O Brasil já domina várias delas: a rotação de culturas, o sistema plantio direto, o uso de bioinsumos, o pó de rocha como remineralizador de solos, o manejo integrado de pragas, a agricultura de precisão com drones e inteligência artificial, a irrigação eficiente e, talvez a mais emblemática, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Se bem adotadas, essas práticas transformam problemas antigos em vantagens competitivas.
Ainda assim, sei que avançar nessa agenda não é simples. As barreiras são estruturais: políticas públicas instáveis, burocracia regulatória, ausência de financiamento adequado para inovação e transição, resistência cultural em algumas cadeias e, de fora para dentro, a pressão internacional por rastreabilidade, transparência e ética ambiental.
Para muitos produtores, mudar significa assumir riscos e custos no curto prazo, embora os ganhos no médio e longo prazos sejam muito maiores.
Outro desafio central é a comunicação. Produzir de forma sustentável não basta se o mundo não reconhece. Precisamos mostrar o que fazemos com credibilidade, dados e transparência.
Preservação ambiental bem feita deve ser preservação ambiental bem comunicada. Só assim diminuiremos desconfianças, reduziremos barreiras comerciais e conquistaremos mercados que pagam mais por produtos sustentáveis.
Vejo o início da safra como um gesto simbólico: não semeamos apenas grãos, fibras e energia. Precisamos semear ideias, compromissos e escolhas. Porque, no futuro, nossa agricultura não será medida apenas em sacas por hectare, mas também em desmatamento evitado, hectares recuperados, água preservada, solos vivos e biodiversidade mantida.
E aqui faço uma defesa que considero inegociável: não há sustentabilidade no agro com desmatamento ilegal avançando em todos os biomas brasileiros. Mesmo o chamado “desmatamento legal” precisa ser repensado: abrir novas áreas agrícolas deve ser último recurso, não primeiro instinto. Neste ano, celebramos os 25 anos da Lei 9.985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Sou um defensor de que essa lei deve ser aliada estratégica do agro, junto com uma política de inteligência territorial capaz de integrar produção e conservação de forma equilibrada.
Neste primeiro artigo, quero apenas abrir a conversa. Nos próximos, aprofundarei os temas.
O que espero é contribuir para pensarmos juntos um Brasil melhor: mais progressista, mais produtivo e mais comprometido com sua preservação ambiental.
Um Brasil que não seja apenas um gigante de commodities, mas um país que preserva seus biomas, respeita seus povos e cresce com inteligência.
Acredito — e trabalho para isso — que o Brasil tem tudo para ser a grande potência agroambiental do planeta.
Mas não podemos permitir que essa ideia fique apenas no campo das visões de futuro. Precisamos semeá-la agora.
Segue meu primeiro artigo.
Se quiser uma mini bio mais completa, segue abaixo:
*Renato de Aragão Ribeiro Rodrigues é biólogo, doutor em Geoquímica Ambiental, Head de Agronegócio da Terradot e Professor Fundação Dom Cabral. Com mais de 20 anos de trajetória, atua também como consultor, palestrante e conselheiro, com participação ativa em fóruns internacionais sobre clima e agricultura, como o IPCC e a UNFCCC.
Com sólida produção científica, dedica-se à formação de lideranças no agro sustentável por meio do ensino, de mentorias e de palestras. Sua atuação combina rigor acadêmico, visão estratégica e compromisso com soluções transformadoras para os grandes desafios do século XXI.
Tem forte trajetória no setor público, com passagens pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Embrapa, onde foi pesquisador, gestor e presidente da Rede ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta). Atualmente, coordena a Sub-rede Agricultura da Rede Clima e o Grupo de Trabalho de Mercado de Carbono da Câmara de Agrocarbono do MAPA.